segunda-feira, 30 de julho de 2007

A MÁSCARA DA MORTE RUBRA

EDGAR ALLAN POE

DURANTE muito tempo devastara a "Morte Rubra" aquele país. Jamais se vira peste tão fatal e tão terrível. O sangue era a sua encarnação e o seu sinete: a vermelhidão e o horror do sangue. Aparecia com agudas dores e súbitas vertigens, seguindo-se profusa sangueira pelos poros e a decomposição. Manchas escarlates no corpo e sobretudo no rosto da vítima eram o anátema da peste, que a privava do auxílio e da simpatia de seus semelhantes. E toda a erupção progresso e término da doença não duravam mais de meia hora.

Mas o Príncipe Próspero era feliz, destemido e sagaz. Quando seus domínios se viram despovoados da metade de seus habitantes mandou chamar à sua presença um milheiro de amigos sadios e joviais dentre os cavalheiros e damas de sua corte, retirando-se com eles, em total reclusão, para uma de suas abadias fortificadas. Era um edifício vasto e magnífico, criação de príncipes de gosto excêntrico, embora majestoso. Cercava-o forte e elevada muralha com portas de ferro. Logo que entraram, os cortesãos trouxeram fornos e pesados martelos para rebitar os ferrolhos. Tinham resolvido não proporcionar meios de entrada ou saída aos súbitos impulsos de desespero dos de fora ou ao frenesi dos de dentro.

A abadia estava fartamente provida. Com tais precauções, podiam os cortesãos desafiar o contágio. Que o mundo exterior se arranjasse por si. Enquanto isso, de nada valia nele pensar, ou afligir por sua causa. Providenciara o príncipe para que não faltassem diversões. Havia jograis, improvisadores, bailarinos. músicos. Havia beleza e havia vinho. Lá dentro, tudo isso e segurança. Lá fora a "Morte Rubra".Foi quase ao término do quinto ou sexto mês de sua reclusão enquanto a peste raivava mais furiosamente lá fora, que o Príncipe Próspero ofereceu a seus mil amigos um baile de máscaras da mais extraordinária magnificência. Que voluptuosa cena a daquela mascarada! Mas antes descrevamos os salões em que ela se desenrolava. Era uma série imperial de sete salões. Em muitos palácios, contudo, tais sucessões de salas formavam uma longa e reta perspectiva quando as portas se abrem de par em par não havendo quase obstáculo à perfeita visão de todo o conjunto . Aqui, o caso era bastante diverso, coisa aliás de esperar do amor do duque pelo fantástico. Os aposentos estavam tão irregularmente dispostos que a visão abrangia pouco mais de um de cada vez. De vinte ou de trinta em trinta jardas havia uma curva aguda e, a cada curva, uma nova impressão.A direita e à esquerda, no meio de cada parede, uma enorme e estreita janela gótica abria-se para um corredor fechado que acompanhava as voltas do conjunto. Essas janelas eram providas de vitrais, variava de acordo com o tom dominante das decorações do aposento para onde se abriam. O da extremidade oriental, por exemplo era azul, e de azul vivo eram suas janelas. O segundo tinha ornamentos e tapeçarias purpúreos, e purpúreas eram as vidraças. O terceiro era todo verde, e verdes eram também as esquadrias das janelas. O quarto estava mobiliado e iluminado com laranjada. O quinto era branco, e o sexto, roxo. O sétimo o estava totalmente coberto de tapeçarias de veludo preto, que pendiam do teto e pelas paredes, caindo em pesadas dobras um tapete do mesmo material e da mesma cor. Mas somente nesta sala a cor das janelas não correspondia à das decorações. As vidraças ali, eram escarlates, da cor de sangue vivo.

Ora, em nenhum daqueles sete salões havia qualquer lâmpada ou candelabro em meio à profusão de ornamentos dourados que se espalhavam por todos os cantos ou pendiam do forro. Luz de espécie alguma emanava de lâmpada ou vela, dentro da série de salas. Mas, nos corredores que acompanhavam a perspectiva, erguia-se em frente de cada janela, uma pesada trípode com um braseiro que projetava seus raios pelos vitrais coloridos e assim iluminava deslumbrantemente a sala, produzindo numerosos aspectos vistosos e fantásticos. Na sala negra, porém, o efeito do clarão dava sobre as negras cortinas, através das vidraças tintas de .sangue, era extremamente lívido e dava uma aparência tão estranha às fisionomias dos que entravam que poucos eram os bastante ousados para nela penetrar.

Era também nesse salão que se erguia, encostado à parede que dava para oeste, um gigantesco relógio de ébano. O pêndulo oscilava para lá e para cá, com um tique-taque vagaroso, pesado, monótono. E quando o ponteiro dos minutos concluía o circuito do mostrador e a hora ia soar, emanava dos pulmões de bronze do relógio um som claro, elevado, agudo e excessivamente musical, enfático e característico que, de hora em hora, os músicos da orquestra viam-se forçados a parar por instantes a execução da musica para ouvir-lhe o som: e dessa forma, obrigatoriamente, cessavam os dançarinos suas evoluções e toda a alegre companhia sentia-se por instantes, perturbada. E enquanto os carrilhões do relógio ainda soavam, observava-se que os mais alegres tornavam-se pálidos e os mais idosos e serenos passavam as mãos pela fronte, como se em confuso devaneio ou meditação. Mas quando os ecos cessavam por completo, leves risadas imediatamente contagiavam a reunião; os músicos olhavam uns para os outros e sorriam de seu próprio nervoso e loucura, fazendo votos sussurrados, uns aos outros para que o próximo carrilhoar do relógio não produzisse idêntica emoção. E, no entanto, passados os sessenta minutos ( que abarcam três mil e seiscentos segundos do Tempo que voa), ou de novo outro carrilhoar do relógio, e de novo se viam a mesma perturbação, o mesmo tremor, as mesmas atitudes meditativas a despeito, porém, de tudo isso, que esplêndida e magnífica folia.

O duque tinha gostos característicos. Sabia escolher cores e efeitos. Desprezava os ornamentos apenas em moda. Seus desenhos muito audazes e vivos, e suas concepções esplendiam com um lustre bárbaro. Muita gente o julgava louco. Mas seus cortesãos achavam que não. Era preciso ouvi-lo, vê-lo e tocá-lo, para se estar certo que ele não o era. Por ocasião dessa grande festa, dirigira ele próprio, em grande parte, os mutáveis adornos dos sete salões e fora o seu próprio gosto orientador que escolhera as fantasias. Mas não havia dúvidas de que eram grotescas. Havia muito brilho, muito esplendor, na coisa berrante e fantástica - muito disso que depois se viu no Hernani. Havia formas arabescas, com membros e adornos desproporcionados.

Havia concepções delirantes, como criações de louco; havia muito de belo e muito de atrevido, de esquisito, algo de terrível e pouco do que poderia causar aversão. Na realidade, uma multidão de sonhos deslizava para lá e para cá nas sete salas. E estes sonhos giravam de um canto para outro, tomando a cor das salas, e fazendo a música extravagante da orquestra parecer o eco de seus passos.
Mas logo soava o relógio de ébano que se erguia na parede de veludo. E então, durante um instante, tudo parava e tudo silenciava exceto a voz do relógio. Os sonhos paravam, como que gelados. Os ecos do carrilhão, porém, morriam - haviam durado apenas um instante -, e uma leve gargalhada, mal contida, acompanhava os ecos que morriam. E logo depois a música explodia, e os sonhos reviviam e rodopiavam mais alegremente do que dantes, tingiam da cor das janelas multicoloridas, através das quais se filtravam , os luminosos raios das trípodes.

Mas então nenhum dos mascarados se aventurava até a sala que, entre as sete, mais ao ocidente se encontrava, porque a noite estava declinando e ali dimanava luz mais vermelha através das vidraças sangüineas, e o negrol dos panejamentos tenebrosos apavorava. E, para aqueles cujos pés pisavam o tapete negro, do relógio de ébano ali perto provinha rumor abafado, mais solenemente enfático do que o que alcançava os ouvidos de quem se comprazia nas alegrias dos outros aposentos mais distantes.
Mas esses outros aposentos estavam densamente apinhados e palpitava febrilmente o coração da vida. E a folia continuou a rodopiar, até que afinal o relógio começou a soar a meia-noite. E, então a música parou, como já disse; e aquietaram-se as evoluções dos dançarinos; e, como dantes, houve uma perturbadora parada de tudo. Mas agora o carrilhão do relógio teria de bater doze pancadas. E por isso aconteceu talvez que maior número de pensamentos, e mais demoradamente, se inserisse nas meditações daqueles que, entre os que se divertiam, meditavam. E por isso talvez aconteceu também que, antes de silenciarem por completo os derradeiros ecos da última pancada, muitos foram os indivíduos, em meio a multidão, que puderam certificar-se da presença de um vulto mascarado que até então não havia chamado a atenção de ninguém, tendo-se espalhado, aos cochichos, a notícia dessa nova presença elevou-se imediatamente dentre a turba um burburinho ou murmúrio que exprimia desaprovação e surpresa a princípio e, terror, horror e náusea.

Numa assembléia de fantasmas, tal como a descrevi, bem se pode supor que tal agitação não podia ter sido causada por aparência vulgar. Na verdade, a licença carnavalesca da noite quase ilimitada; mas o vulto em questão excedia o próprio Herodes em extravagância e ia além dos limites indecisos de decência exigidos pelo próprio príncipe.
Há no coração dos mais levianos fibras que não podem ser tocadas sem emoção. Mesmo para os mais divertidos, para quem a vida e a morte são idênticos brinquedos assuntos com os quais não se pode brincar. Todos os presentes de fato, pareciam agora sentir profundamente que nos trajes e atitudes do estranho não havia finura nem conveniência.
Era alto e lívido, e envolvia-se, da cabeça aos pés, em mortalhas tumulares. A máscara que ocultava o rosto era tão de modo a quase representar a fisionomia de um cadáver enrijecido que a observação acurada teria dificuldade em perceber o engano. E, contudo, tudo isso poderia tolerar-se, se não mesmo aprovar-se, pelos loucos foliões, não tivesse o mascarado ido ao de figurar o tipo da "Morte Rubra". Seu traje estava salpicado de sangue, e a ampla testa, assim como toda a face, borrifada de rendas placas escarlates. Quando os olhos do Príncipe Próspero caíram sobre aquela imagem espectral (que, em movimentos lentos e solenes, como se quisesse representar mais completamente seu papel, rodopiava aqui e ali entre os dançarmos), viram-no ser tomado de convulsões, a princípio um forte tremor de pânico ou repugnância, para logo depois enrubescer-se de raiva.

-Quem ousa - perguntou ele, roucamente, aos cortesãos que o cercavam -, quem ousa insultar-nos com tão blasfema pilhéria? Agarrem-no e desmascarem-no, para podermos conhecer quem teremos de enforcar, ao amanhecer, no alto das ameias! Ao pronunciar estas palavras achava-se o Príncipe Próspero no salão dourado e azul, do lado do poente. Elas atravessaram todas as sete salas, alta e claramente, pois o príncipe era um homem ousado e robusto e a música havia silenciado a um gesto de sua mão.

Era no salão azul que se achava o príncipe, tendo ao lado um grupo de cortesãos pálidos. Logo que ele falou, houve um leve movimento de investida por parte daquele grupo na direção do intruso que, no momento, se encontrava quase ao alcance da mão, em passadas firmes e decididas, mais se aproximava do príncipe. Mas em virtude de um indefinível terror que a todos os presentes causara o louco atrevimento do mascarado, não se achou que ousasse estender a mão para agarrá-lo. De modo que.sem impecilho, passou a uma jarda do príncipe, e, enquanto toda a assembléia, como movida por um só impulso, recuava do centro das salas para as paredes, seguiu ele seu caminho sem deterse com os mesmos passos solenes e medidos que o haviam distinguido, do salão azul ao salão purpúreo, do púrpuro ao verde, do verde ao alaranjado, deste ao branco e até o roxo, sem que um movimento de decisão se fizesse para detê-lo. Foi então, porém, que o Príncipe Próspero, enlouquecido de vergonha de sua própria e momentânea covardia, correu precipitadamente através das seis salas, sem que ninguém o seguisse, pois um terror mortal de todos se apossara. Brandia um punhal desembanhado e se aproximara, com rápida impetuosidade, a poucos passos do vulto que se retirava, quando este último, tendo alcançado a extremidade do salão de veludo, voltou-se subitamente e arrostou seu perseguidor. Ouviu-se um grito agudo e o punhal caiu, cintilante sobre o negro tapete, onde, logo, instantaneamente, tombou mortalmente abatido o Príncipe Próspero. Então, recorrendo a coragem selvagem do desespero, numerosos foliões lançaram-se sem demora no lúgubre aposento, e, agarrando o mascarado, cujo alto vulto permanecia ereto e imóvel dentro da sombra do relógio de ébano, pararam, arfantes de indizível pavor, ao sentir que nenhuma forma tangível se encontrava sob a mortalha e por trás da mascara cadavérica, quando as seguraram com
violenta rudeza.

E foi então que reconheceram estar ali presente a "Morte Rubra". Ali penetrara, como um ladrão noturno. E um a um, foram todos os foliões, nos salões da orgia, orvalhados de sangue, morrendo na mesma posição desesperada de sua queda. E a vida do relógio de ébano se extinguiu com a do último dos foliões. E as chamas das trípodes expiraram. E o ilimitado poder da Treva, da Ruína, e da "Morte Rubra" dominou tudo.


sábado, 14 de julho de 2007

Flégias - Demônios - A cidade de Dite

Flégias (o barqueiro) realiza a travessia do Rio Estige levando Dante e Virgílio. No fundo se vê a cidade de Dite e o fogo eterno. Dentro do rio estão os condenados pelo pecado da ira. Pintura de Eugène Delacroix (séc XIX).

O vazio

Tudo se fez assim, de palavras e de amor.
Aí nasceram estátuas, ideias, encheram-se lagos com as experiências.
Os segredos fizeram meadas e os silêncios, maçãs
Chamem-lhe agora monstro, dessa esperança acumulada.

É um verde que anda escondido de bomba.
Nuns lados é bomba, ou só ameaça noutros verbos abertos.
Anda nos serviços de urgência, inala-se nos féretros

Haverá um poeta que o fará poema. Um dia será aço,
Forjado em pétalas. Terá tatuagens de mulheres com seios nus.

Terá que dizer basta e isso será o fim.


Não estarei cá. E haverá então ainda árvores, rios e o simples vento?

Estarei cobardemente morto num sítio pior que o tal Inferno. Estaremos todos juntos
No vértice invertido da paz.

Créditos: http://diariopoetico.weblog.com.pt/arquivo/2005_05.html

domingo, 8 de julho de 2007

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Estou perdido? Preciso de luz, abrigo.

Preciso gritar, recuperar minhas forças, mas não consigo...acho que serei mais um daqueles loucos solitários que perambulam sem rumo, procurando entre as paredes as lembranças de um amor esquecido no tempo...

Como pode algo tão bonito e puro tornar-se algo tão metódico e arrebatador? A vida copia a natureza, apenas isso. É como a fúria do mar, ele está lá; sempre calmo, límpido e puro, mas não há explicação para sua revolta, ou para que ele destrua tudo que encontre pela frente, e amanhã - puro e ingênuo torna a refrescar e dar comida aos seres vivos.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

...!

I

Há momentos em que a realidade deveria ser esquecida.
Momentos que nos torturam
Momentos que a dor é silenciada por lágrimas e suspiros...

Nunca soube chorar,
Nunca aprendi o verdadeiro significado do amor;
Até o dia que ele deixou de fazer parte da minha vida.

Caminho por trilhas estreitas e sinuosas;
Perdi os sentidos - minhas ilusões...
Todos os sonhos se foram com as lágrimas;
Todas as lágrimas se foram com meu amor!


II

Muito se fala sobre a morte, sobre a vontade de viver; mas a realidade é que não temos controle sobre nada.
Se desejamos a vorte e não podemos morrer. Se desejamos a vida, somos enganados por um sonho e nunca conseguimos viver plenamente.

sábado, 30 de junho de 2007

O existencialismo de Sartre

A distinção entre essência e existência corresponde a distinção entre conhecimento intelectual e conhecimento sensível. Os sentidos põem em contato com os seres particulares e contingentes, únicos que realmente existem, ao passo que a inteligência permite aprender as idéias ou essências, gêneros e espécies universais, meras possibilidades de ser, em si mesmas inexistentes. Sabe-se, no entanto, desde Sócrates, que o objeto da ciência é o universal e não o particular, quer dizer a essência e não a existência. Platão tenta resolver essa contradição hipostasiando as idéias, atribuindo-lhes a realidade, no mundo supra-sensível ou topos ouranoú (lugar do céu). Poder-se-ia dizer que é em nome da existência que Aristóteles critica a teoria platônica das idéias, sustentando que as idéias, ou essências, não estão fora mas dentro das próprias coisas, as quais, feitas de matéria e de forma, contem, em si mesmas, o universal e o particular, a essência e a existência.

Em oposição as filosofias que se poderia chamar ‘essencialistas’, as filosofias existencialistas partem do pressuposto de que a existência e anterior a essência, tanto ontológica quanto epistemologicamente ,quer dizer tanto em relação ao ser, ou à realidade, quanto em relação ao conhecimento. Na perspectiva do existencialismo, as idéias, ou as essências, não são anteriores às coisas, pois não se acham previamente contidas nem na inteligência de Deus nem na inteligência do homem. As idéias, ou essências, são contemporâneas das coisas, são as próprias coisas consideradas de determinado ponto de vista, em sua universalidade e não em sua particularidade. Síntese do universal e do particular, o indivíduo existente é redutível ao pensamento, ou inteligível, na medida em que contem o universal, a essência humana, por exemplo, nesse homem determinado, e irredutível, enquanto particular, esse homem com características que o distinguem de todos os demais e o tornam único e insubstituível.

A afirmação da anterioridade ou do primado da existência em relação a essência, entendida aqui como existência humana, implica uma série de teses que distinguem o existencialismo das filosofias essencialistas. O primado da liberdade em relação ao ser, subjetividade, em relação a objetividade, o dualismo, o voluntarismo, o ativismo, o personalismo, o antropologismo, seriam algumas das características desse tipo ou modalidade de filosofia. O existencialismo não é nem uma teologia, ou filosofia de Deus, nem uma cosmologia, ou filosofia do mundo, da natureza. O existencialismo é, fundamentalmente, uma antropologia, quer dizer, uma reflexão filosófica sobre o homem, ou melhor, sobre o ser do homem enquanto existente.

Na perspectiva antropológica, surgem os temas ou problemas característicos do pensamento existencial. A finitude, a contingência e a fragilidade da existência humana; a alienação, a solidão e a comunicação, o segredo, o nada, o tédio, a náusea, a angústia e o desespero; a preocupação e o projeto, o engajamento e o risco, são alguns dos temas principais de que se tem ocupado os representantes do existencialismo. Para essa filosofia, a angústia e o desespero, por exemplo, deixam de ser sintomas mórbidos, objetos da psicopatologia, para se tornarem categorias ontológicas que propiciam acesso á essência da condição humana e do próprio ser.

A idéia de existência, como já se observou, não é nova. Com a mesma palavra, ousía , Platão designa a essência e a existência, e a crítica de Aristóteles ao idealismo platônico pressupõe o hilomorfismo, ou teoria do ser entendido como existente, feito de matéria e de forma. Platão, sem dúvida, é idealista, mas é uma experiência existencial, a vida e a morte de Sócrates, que o leva a filosofar.

A existência precede a essência, por Jean-Paul Sartre

"Quando concebemos um Deus criador, esse Deus idenficamos quase sempre como um artífice superior; e qualquer que seja a doutrina que consideremos, trate-se duma doutrina como a de Descartes ou a de Leibniz, admitimos sempre que a vontade segue mais ou menos a inteligência ou pelo menos a acompanha, e que Deus, quando cria, sabe perfeitamente o que cria.

Assim, o conceito do homem, no espírito de Deus, é assimilável ao conceito de um corta-papel no espírito do industrial; e Deus produz o homem segundo técnicas e uma concepção, exatamente como o artífice fabrica um corta-papel segundo uma definição e uma técnica. Assim, o homem individual realiza um certo conceito que está na inteligência divina.

No século XVIII, para o ateísmo dos filósofos, suprime-se a noção de Deus, mas não a idéia de que a essência precede a existência. Tal idéia encontramo-la nós um pouco em todo o lado: encontramo-la em Diderot, em Voltaire e até mesmo num Kant. O homem possui uma natureza humana; esta natureza, que é o conceito humano, encontra-se em todos os homens, o que significa que cada homem é um exemplo particular de um conceito universal - o homem; para Kant resulta de universalidade que o homem da selva, o homem primitivo, como o burguês, estão adstritos à mesma definição e possuem as mesmas qualidades de base. Assim, pois, ainda aí, a essência do homem precede essa existência histórica que encontramos na natureza. (...)

O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Declara ele que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana.

Que significará aqui o dizer-se que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber.

O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência; o homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que se chama a subjetividade, e o que nos censuram sob este mesmo nome. Mas que queremos dizer nós com isso, senão que o homem tem uma dignidade maior do que uma pedra ou uma mesa? Porque o que nós queremos dizer é que o homem primeiro existe, ou seja, que o homem, antes de mais nada, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar no futuro. (...)

Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsablidade da sua existência. E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens."

Jean-Paul Sartre

"A existência precede a essência". Eis a frase fundamental do existencialismo. Para melhor compreender o significado dela, é preciso rever o que quer dizer essência. A essência é o que faz com que uma coisa seja o que é, e não outra coisa. Por exemplo, a essência de uma mesa é o ser mesmo da mesa, aquilo que faz com que ela seja mesa e não cadeira. Não importa que seja de madeira, fórmica ou vidro, que seja grande ou pequena; importa que tenha as características que nos permitam usá-la como mesa.

No famoso texto O existencialismo é um humanismo, Sartre usa como exemplo um objeto fabricado qualquer, como um livro ou um corta-papel: neles a essência precede a existência; da mesma forma, se imaginarmos um Deus criador, o identificamos a um artífice superior que cria o homem segundo um modelo, tal qual o artífice fabrica um corta-papel. Daí deriva a noção de que o homem tem uma natureza humana, encontrada igualmente em todos os homens. Portanto, nessa concepção, a essência do homem precederia a existência. Não é essa, no entanto, a posição de Sartre ao afirmar que a existência precede a essência: "Significa que o homem primeramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência; o homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo".

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Sua preocupação é de que o homem, diante de suas ínumeras escolhas assuma a responsabilidade de uma opção. Para Sartre o existencialismo é uma doutrina que torna a vida humana possível, por outro lado declara que toda a verdade e toda a ação implicam um meio e uma subjetividade humana, o homem existe, se descobre, surge no mundo e só depois se define, ou seja, não é mais do que faz.

Essa responsabilidade é que gera a angústia, pois cada indivíduo está pronto a escolher tanto a si como a humanidade, não escapa a essa situação.

Apesar da mistura de valores deste século, apesar do homem viver sozinho e sem ajuda nessa confusão, ele é livre e responsável pela sua liberdade. Somos livres para dar sentido a qualquer coisa, mas temos que dar sentido a alguma coisa.

A fenomenologia é usada como método de análise das situações existenciais em sua evolução mostra-se fiel ao concreto existencial.

O ato de assumir o ser, caracteriza a realidade humana, existir é assumir o ser, portanto a realidade humana é sempre um eu que compreende a si próprio fazendo-se humano por tal característica.

O princípio de Sartre é a não existência de Deus, o homem não tem ao que se apegar. Somos livres, sós e sem desculpas.

Chega a conclusão de que nada justifica a existência, o tédio dos dias e das noites, caminhos obscuro e deserto, o cotidiano. Mas isso não o livra da liberdade e da responsabilidade, que são da essência do homem, uma liberdade sem conteúdo se torna amargura, náusea.

Um conjunto de valores intermediários entre Deus e o homem que morreram para Sartre, e não "Deus que esta morto" como diz Nietzsche.

Tudo é gratuito, o homem se encontra na consciência da liberdade, e na possibilidade de forjar nossa própria vida.

Uma vez não tendo essência, a liberdade deve-se fazer, se criar. A consciência se lança no futuro se distanciando do passado.

A necessidade de escolha deve sempre se impôr, ou seja, deve sempre estar dentro dos meus projetos.

O cumprimento, mas ao mesmo tempo o entrave à minha liberdade, é a existência do outro para quem me torno objeto. Sartre vê duas atitudes possíveis:

  • Fenômeno amor: reconhecendo e admitindo o amado como sujeito livre, porém o outro me olha como objeto. O esforço de todos os meios para conquistar o amado, mas se não há reciprocidade vem o fracasso e isso nunca se concretizará.
  • Desejo sexual: que é voltar-se para o outro usando-o como instrumento e ferindo sua liberdade, não é vontade de obter prazer, nem corpo e sim desejo de possuir a consciência, a liberdade do outro, que alimente o desejo sexual.

A qualquer momento pode haver a paralisação do objeto pelo outro, surgindo o ódio, o conflito e luta, não há a tolerância da liberdade do outro, o que acontece é aniquilação do outro, mas isso não muda o fato de que um dia ele existiu e fez de mim objeto de meu projeto.

Sartre considera que o materialismo aniquila o homem, o espírito se relaciona com a matéria, mas não o é. O trabalho dá sentido à matéria, a capacidade de imaginar que as coisas poderiam ser diferentes que torna o homem capaz de ir além da situação particular em que se encontra no momento. E aí que o indivíduo se torna objeto e contribui para a história.

O papel do existencialismo é insistir na especificidade de cada acontecimento.

Para Sartre o desespero significa que o homem se limita a contar com o que depende de sua vontade ou com o conjunto de probabilidades que tornam possível a ação. Agir sem esperança é agir sem contar com os outros homens, que além de desconhecidos, são livres, pois não há ‘natureza humana’ na qual seja possível agarrar-se.

O ponto de partida do existencialismo sartriano, como já havia sido dito, é a subjetividade, o cogito cartesiano, que apreende a verdade absoluta da consciência na intuição de si mesma. Na subjetividade existencial, porém, o homem não atinge apenas a si mesmo, mas também aos outros homens, como condição de sua existência. O que o cogito revela é a intersubjetividade, na qual o homem decide o que é e o que são os outros.

Não há natureza, mas condição humana. O homem é sempre "situado e datado", embora o conteúdo de sua situação varie no tempo e no espaço. A liberdade não se exerce no abstrato, mas na situação.

Sartre também discute a questão da morte, diferente de Heidegger, ele acha que a morte tira o sentido da vida, ou seja, ela é a "nadificação dos nossos projetos, é a certeza de que um "nada" total nos espera". Sartre conclui: "se nos temos de morrer, a nossa vida não tem sentido porque os seus problemas não recebem qualquer solução e porque até a significação dos problemas permanece indeterminada.

O conceito de "náusea", usado no romance de mesmo nome, difere-se a esse sentimento experimentado diante do real, quando se toma a consciência de que ele e desprovido de razão de ser, absurdo. Roquetim, a personagem principal do romance, numa celebre passagem, ao olhar as raízes de um castanheiro, tem a impressão de existir à maneira de uma coisa, de um objeto, de estar aí, como as coisas são. Tudo lhe surge como pura contingência, sem sentido.

O homem não é um "em si" ele é um "para si", que a rigor não é nada. A consciência não tem conteúdo e, portanto, não é coisa alguma. Esse vazio é a liberdade fundamental do " para si". É a liberdade, movendo-se, através das possibilidades, que poderá criar-lhe um conteúdo. Eis o que o homem, ao experimentar essa liberdade, ao sentir-se como um vazio, experimenta a angústia da escolha. Muitas pessoas não suportam essa angústia, fogem dela aninhando-se na má fé.

A má fé é a atitude característica do homem que finge escolher, sem na verdade escolher. Imagina que seu destino está traçado, que os valores são dados; aceitando as verdades exteriores, "mente para si mesmo", que é o autor dos seus próprios atos. Não se trata propriamente de uma mentira, pois esta supõem os outros, para quem mentimos. A má fé se caracteriza pelo fato de o indivíduo dissimular para si mesmo, a fim de evitar fazer uma escolha, da qual possa se responsabilizar. Torna-se salaud (‘safado’, ‘sujo’). O homem que recusa a si mesmo aquilo que fundamentalmente o caracteriza como homem, ou seja, a liberdade. Nesse processo recusa a dimensão do "para si", torna-se um "em si", semelhante as coisas. Perde a transcedência, reduz-se a facticidade.

Sartre chama esse comportamento de espírito de seriedade. O homem sério é aquele que recusa a sua liberdade para viver o conformismo e a "respeitabilidade" da ordem estabelecida e da tradição. Esse processo e exemplificado no conto "A infância de um chefe". Um tipo de má fé descrito por Sartre é do garçom que age não como um "para si", mas como um "ser para o outro", comporta-se como deve se comportar um garçom, desempenhando o papel de garçom, de tal forma que ele se vê com os olhos dos outros. É assim que Sartre descreve em "O ser e o Nada": " consideremos esse garçom de café. Tem um gesto vivo e apurado, preciso e rápido, dirige-se aos consumidores num passo demasiado vivo, inclina-se com demasiado zelo, sua voz e seus olhos experimentam um interesse demasiado cheio de solicitude para o pedido do freguês (...), ele representa, brinca. Mas representa o que? Não é preciso observa-lo muito tempo para perceber: ele representa ser garçom de café".

Outro tipo de má fé é o da mulher que, estando com um homem, dissimula para si mesma o caráter sexual do encontro, deixando-se "seduzir" por ele.

Em L’Être et le néant, essai d’ ontologie phénomenologique (1943; O ser e o Nada, ensaio de ontologia fenomenológica), propõe Sartre a sua filosofia, baseado na ontologia existencialista de Martin Heidegger. O ponto de partida é o "projeto" de vida do indivíduo, que se choca com os projetos dos outros. Como afirma o título de um escrito posterior, L’Existencialisme est um Humanisme (1946, O existencialismo é um humanismo) o existencialismo é humanista. Como humanismo, filosofia em cujo centro se encontra o homem, o existencialismo de Sartre tem o projeto de dominar o mundo. Mas esse mundo esta cheio de elementos maus; para domina-los, também é preciso arriscar o mal. A liberdade da decisão inclui a liberdade de fazer o mal. Só a decisão é humana e é livre.

Não existe a humanidade, a não ser como característica dos indivíduos humanos que embora diferentes todos uns dos outros, são humanos porque contém a humanidade ou dela participam. O indivíduo, enquanto tal, naquilo que apresenta de particular, é o objeto de percepção sensível e não de apreensão intelectual. Dizer-se de determinada flor que é uma rosa vermelha, é designar o particular por meio do universal, pois os termos rosa é vermelha não convém apenas à flor atualmente percebida, no entanto, é o fato de essa e nenhuma outra, de existir aqui e agora , como conteúdo ou objeto da percepção. A menos que dela se fizesse uma pintura, ou que se fotografasse, não há palavras para exprimir ou representar a sua particularidade. Essa razão pela qual, Aristóteles dizia que o indivíduo é "inefável" ( o que não pode ser dito), o que eqüivale a dizer que a realidade é irredutível ao conceito ou a existência irredutível à essência.

Conclui-se que o existencialismo é uma moral da ação, porque considera que a única coisa que define o homem é o seu ato. Ato livre por excelência, mesmo que o homem esteja sempre situado num determinado tempo e lugar. Não importa o que as circunstâncias fazem do homem, "mas o que ele faz do que fizeram dele".

Mas vários problemas surgem no pensamento sartriano, desencadeados pela consciência capaz de criar valores, ao mesmo tempo que deve se responsabilizar por toda a humanidade, o que parece gerar uma contradição indissolúvel.

Sartre se coloca nos limites da ambigüidade, pois se de um lado a moral é impossível porque o rigor de um princípio leva à sua destruição, por outro lado a realização do homem, da sua liberdade, implica um comportamento moral. Sempre prometeu fazer um livro sobre moral, mas não realizou seu projeto. Uma tentativa nesse sentido foi levada a efeito por Sime de Beauvoir no livro Moral da Ambigüidade.


Fonte: http://www.geocities.com/Athens/olympus/7979/existen.htm

Joy Division - Atmosphere

Dialética da Dialética

Somente após a desestruturação mutua da realidade humana que passaremos a compreender que a realidade nada mais é que pura utopia.

A realidade não existe. Somos todos objetos de um fetiche sarcástico da dita divindade, mas pensar assim leva-me a crer que a divindade existe, claro, acredito, mas não na sua divindade personificada.

O homem fez de Deus sua imagem e semelhança para justificar suas fraquezas e ter um bode expiatório, pois, é necessário ter alguém para justificar sua insanidade e egoísmo.

Com o livre arbítrio, qualquer discurso torna-se fugaz e irrelevante, sendo assim, toda retórica passou a não fazer sentido algum para a sociedade humana, uma vez que podemos utilizar desse discurso infantil para nos esconder. A abstração de idéias da sociedade é fundada apenas nos sentimentos pueris; cada ser passou a verbalizar seus discursos e conceitos na ordem do “Ter” para ser “alguém”; ser mais um pequeno burguês na retórica capitalista.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Antes das seis

Legião Urbana

Composição: Renato Russo


Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Vem e me diz o que aconteceu
Faz de conta que passou
Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Daqui vejo seu descanso
Perto do seu travesseiro
Depois quero ver se acerto
Dos dois quem acorda primeiro
Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Enquanto a vida vai e vem
Você procura achar alguém
Que um dia possa lhe dizer
-Quero ficar só com você
Quem inventou o amor?

quarta-feira, 30 de maio de 2007

NOSFERATU

Por Marcos T. R. Almeida

"Nosferatu é uma palavra moderna derivada da palavra em eslavo antigo Nosufur-atu, extraída do grego Nosophoros, Portador de Pragas." - J. Gordon Melton

Quando o escritor irlandês Bram Stoker publicou no ano de 1897 seu livro Drácula, talvez não pudesse imaginar o tamanho em proporções que sua obra iria adquirir no futuro com a invenção do cinema. Foram feitas mais de cem versões sobre o vampiro mais cruel de que se tem registro, com a imagem medonha de um ser malígno que alimenta-se de sangue humano, levanta-se de seu insalubre sepulcro ao cair as "trevas no céu pesadamente" (como dizia Anthero de Quental), e depois retorna ao mesmo local ao ouvir o cantar do galo, como indício de que o dia vai nascer.



Dentre estes horripilantes filmes sobre vampiros, "Nosferatu" parece ser o primeiro (1922), destacando-se dos outros por arrepiantes cenas rodadas em branco e preto, dando à obra um caráter de profunda fantasmagoria e pesadelo, onde o vampiro Conde Orlok surge da escuridão em um visual agressivo e bizarro como o protótipo ser anti-social, com seu semblante sinistro que lembra uma medonha figura que traz a própria morte encarnada em si mesmo. Pestilento e doentio, Nosferatu tem os dentes em forma de duas pontas juntas como a de um rato roedor, usa um casaco preto como um gótico moderno de vida noturna, além de unhas pontiagudas e cabeça sem um só fio de cabelo. Magro e alto, esta figura horrível traz o horror encarnado assustando até o mais cético mortal.
O filme invoca em suas imagens trêmulas, as exóticas paisagens da Alemanha que muito aproxima-se em beleza exuberante das regiões desconhecidas da Romênia, a antiga Transilvânia onde viveu na Idade Média o Drácula histórico Vlad Tepes Dracul.
Neste pitoresco cenário, o diretor F. W. Murnau encontrou todos os ingredientes básicos que invocam o vampirismo, montanhas, florestas densas, riachos, pontes, capelas, castelos em ruínas, aldeões ciganos, lobos, carruagens e, é claro, o talento de Max Schreck, que faz o papel do vampiro Nosferatu. E desta forma, a primeira versão para o cinema da obra de Bram Stoker revive todas aquelas imagens do horror de Drácula contidas nas páginas do livro.
Quem for assistir Nosferatu na esperança de ver cenas fortes de violência e sangue num exagero aloprado e até ridículo, caracterizado pela idiotice da ideologia americana, vai com certeza ficar decepcionado, afinal Nosferatu é uma obra do expressionismo alemão e assim o caráter do horror dá-se num clima de sonhos maus e pesadelos,
culminando numa peste malígna que arrasta todos para uma grande mortandade, e tudo envolto numa atmosfera gótica e nevoenta, onde é o inconsciente quem vai ser despertado para uma realidade mais subjetiva que objetiva.
O enredo do filme é simples, baseado no livro "Drácula", com algumas modificações de nomes e locais apenas, e isso devido talvez por não terem pagos os direitos autorais à viúva de Bram Stoker, que teria entrado com um recurso na justiça para a destruição das cópias do filme caso não fossem pagos os direitos autorais.
Para a nossa sorte, algumas cópias do filme sobreviveram a esta polêmica e hoje podemos mergulhar dentro destas imagens e captar o verdadeiro horror que "Nosferatu" causa no espectador.
Nosferatu é o "não morto", o morto vivo, um vampiro que nada tem de galã e sedutor pois é corcunda e de aspecto decadente.
Ele penetra na civilização do Homem como uma maldição, vindo de longe, navegando em uma escuna, um velho barco onde os tripulantes são todos mortos. Nosferatu bebe o sangue deles e transmite a peste negra a todos. A maioria dos marinheiros morrem de febre alta em delírio!
Milhares de ratos acompanham o vampiro, fazendo uma alusão também à maior mancha de horror ocorrida na Idade Média na Europa: a peste negra...
No decorrer do filme, o amor, aleijão da humanidade, entra em cena e o vampiro é atingido não com uma estaca no coração mas com a imagem ideal de uma mulher jovem e bela, aquela que ele havia visto o retrato no camafeu do corretor de imóveis que ele fez prisioneiro em seu castelo.
Esta imagem ideal, fruto de uma visão de poeta, é para o vampiro um martírio que atormenta-o, e ele deixa-se prender em seus braços macios de seda... A bela mulher convence-o a ficar com ela desfrutando os "beijos de fogo" da volúpia e do sangue. Assim, o dia vai clareando, despontam os primeiros raios do sol, a aurora segue a aurora, canta o galo mensageiro de Apollo e Nosferatu embriagado com o sabor do sangue doce da bela jovem, impregnado de uma luxúria sexual, ele esquece que tem que voltar para o sepulcro...
Então, logo ele é destruído pela luz do sol convertendo-se em um monte de poeira. Enganado e seduzido por uma "mulher ideal", encontrou seu aniquilamento! Assim a peste também acaba e os habitantes libertam-se do mal! Vale a pena ver "Nosferatu" e rever o clássico expressionista do cinema de horror, e desta forma mergulhar acordado em um dos mais medonhos pesadelos da criação humana. Confiram!

N.E.: Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine "Juvenatrix" # 49 (Fevereiro de 2001).

O INÍCIO DA MITOLOGIA VAMPÍRICA NO CINEMA

E.R.Corrêa

A década de vinte na Alemanha foi marcante pelo surgimento do movimento artístico cinematográfico denominado expressionismo. Este movimento nos presenteou com verdadeiras relíquias cinematográficas, que expressavam, além de outros fatores, a depressão e o pessimismo, visto que a Alemanha estava política e economicamente arrasada devido a sua derrota na Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918).
E é neste ambiente que surge Nosferatu - Eine Symphonie des Grauens, (Nosferatu, Uma Sinfonia do Horror, 1922), o maior clássico de horror de todos os tempos; uma verdadeira sinfonia de pesadelos ao luar.
A Alemanha é realmente uma nação surpreendente, pois foi trabalho deles introduzir o vampirismo como fonte de inspiração ao cinema. Já tinha acontecido algumas tentativas de usar o vampirismo como fonte de inspiração, porém o primeiro filme importante foi este, que sem dúvida nenhuma é a obra prima de Murnau. Friederich Wilhelm Murnau foi o responsável por esta gigantesca criação, que, como todos devem saber, foi inspirada na novela "Drácula" do escritor irlandês Bram Stoker, escrita em 1897. Porém, algumas alterações foram feitas para contornar problemas de direitos autorais. O nome do conde passa a ser Orlok e a ação é deslocada no espaço e no tempo: de Londres (Inglaterra) de 1897 para Bremen (Alemanha) em 1838.
Por não pagar os direitos autorais da história, Murnau perdeu a causa para a esposa de Stoker, e dessa forma foi proibida a divulgação do filme. Esse processo resultou na apreensão e destruição da maioria das cópias. Mas como um vampiro não pode morrer, Nosferatu torna-se um caso clássico de pirataria, servindo para tornar a obra ainda mais rara e importante para os fãs do vampirismo.



Já no início do filme, Huttler (correspondente a Jonathan da novela de Stoker), um corretor de imóveis, vai ao castelo de Nosferatu e este faz um longo monólogo a respeito da angustiante impossibilidade da morte, antes de mordê-lo. O filme traz alguns traços característicos da obra de Murnau como, a eterna luta do homem com as forças do mal, o pavoroso medo da humanidade com a solidão, o papel da mulher como vítima expiatória, etc. Embora pertença a tradição de terror do cinema expressionista alemão, a obra procura desveincular-se do condicionamento pictório e teatral da escola, na medida em que incorpora cenários naturais.
Ao contrário da maior parte dos filmes expressionistas alemães da época, como por exemplo, O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Weine, em Nosferatu as paisagens foram filmadas ao ar livre, desprezando os ambientes artificiais. A justaposição de certos elementos (a carroça do vampiro, por exemplo) com grandes espaços naturais, sugere um mistério mais genuíno do que o pintado pelos grandes cenários dos expressionistas. Realizando o filme com o mínimo de recursos financeiros, Murnau conseguiu extrair do ambiente natural a noção do sobrenatural.



O filme se tornou um modelo para a posterior utilização de técnicas para a criação de ambientes insólitos. No filme desfilam pássaros sinistros, casas sombrias, grandes espaços vazios, atmosfera pesada, árvores fantasmagóricas que formam labirintos macabros (a aparência fantasmagórica das árvores foi conseguida graças a inteligência de Murnau, que mandou colar negativos no tronco das mesmas.
A maior parte do filme foi rodado em externas na região dos altos Tatra, na antiga Tchecoslováquia e no mar Báltico, para obter, desde as primeiras imagens, o clima denso descrito pelo roteirista Bela Bálaz como um arrepiante sopro do Juízo Final".
E graças às técnicas perfeitas do cameraman Fritz Arno Wagner, Murnau conseguiu as posições e enquadramentos que tinha como objetivo, com o uso de alguns truques básicos como a carruagem que atravessa a floresta dos Cárpatos, num cenário envolto em névoa (que seria muito utilizado posteriormente como uma característica do vampirismo), com tomadas de cavalos assustados, lobos e aldeões inquietos como num pesadelo...



Filmagens quadro-a-quadro também são utilizadas no filme, como aquela cena em que a carruagem do vampiro atravessa uma estreita e vazia estrada cercada por ciprestes negros. No plano estético, podemos observar o uso do jogo de luz e sombras dos cenários, e a força das expressões faciais davam o tom carregado e depressivo, imortalizando cenas perfeitamente góticas. Como a maior parte dos filmes expressionistas, os olhos dos atores eram vivamente pintados, numa forma que nos causa arrepios.
Este filme se destaca dos outros, pois apresenta um vampiro angustiado com a própria existência (bem de acordo com a sociedade alemã da época). Enquanto para Drácula a eternidade era um objetivo a ser alcançado, para Nosferatu a impossibilidade da morte era como um fardo a ser carregado.
O conde Orlok (Nosferatu), interpretado pelo magnífico ator Max Schereck, se tornou o vampiro mais poderoso da história do cinema, pois o ator ao interpretar o vampiro idealizado por Stoker, formou uma das mais poderosas caracterizações do personagem.
Max Schereck (o ator mais requisitado na época) caiu como uma luva no papel, pis não tinha nada de sedutor, era um zumbi esquelético, corcunda e careca, com orelhas pontiagudas, dentes incisivos (e não caninos), cara de rato, dedos longos e ossudos e um infernal apetite por aranhas e moscas. Um monstro absolutamente repulsivo e angustiado, condenado a viver do sangue alheio, sem nunca conhecer a morte nem o amor. Isto sem falar do branco marmóreo de sua pele contrastando com sua capa preta e comprida, tornando-o um fantasma completamente mórbido.
Este visual um tanto carregado (?) são fatores que nos fazem parar e pensar a respeito do angustiante fantasma da solidão. E é justamente a solidão o ponto referencial do filme, é nesta solidão que se baseia Drácula, e é ainda mais forte em Nosferatu. Com movimentos duros e expressivos, Nosferatu mais parece uma interpretação teatral, numa forma de atuar que colocaria os Dráculas posteriores no bolso. Algumas lendas rodeiam o filme (como não poderia deixar de ser) como a hipótese de, em poucas cenas, não ser Max Schereck quem interpreta o conde Orlok, mas sim um grande amigo de Murnau, o roteirista Hans Ramo. Um motivo a mais para se prestar melhor atenção às cenas.
A maldição do vampirismo é retratada de forma surpreendente por Murnau, mostrando o lado sombrio da vida, o lado que todos procuram evitar, isto é mostrado pelo próprio conde Orlok; toda angústia vivida pelo vampiro é completamente explorada ao longo do filme como uma redenção do próprio homem.
O filme apresenta cenas altamente depressivas, como o castelo vazio, procissões, pessoas enlouquecidas pelo surto de peste que Nosferatu havia trazido consigo. Ellen (correspondente a Mina, da novela de Stoker) pressente a chegada do navio de Nosferatu, enquanto observa o mar em um cemitério (!). Aliás, a cena mais antológica do filme, é quando chega a Bremen a bordo de seu navio macabro, trazendo consigo centenas de ratos e, como não poderia deixar de ser, a tripulação completamente morta.
Ele leva seu próprio caixão até sua nova residência, onde, como um garoto tímido, apenas fica rodeando a casa de Ellen, até conseguir a oportunidade certa para atacar. Outra cena antológica apresenta, no meio de uma praça, uma enorme mesa, onde homens, mulheres e ratos disputam a mesma comida: é, certamente, uma alusão clara à última ceia de Cristo. Nosferatu, destrói, em apenas uma cena, dois grandes inimigos de Drácula: a ciência e a igreja.
Porém o conde Drácula domina as mulheres, Nosferatu é dominado por elas. Tanto é, que, sua destruição é causada pelo amor de uma mulher que havia causado sua ressurreição ao amor. Ela se entrega a ele, mas não para seduzi-lo, e sim para destruí-lo, pois seria a única forma.
Ele, completamente envolvido por ela, suga tranquilamente seu sangue (simbolicamente, uma relação sexual) e não percebe a chegada do sol, mas um galo o avisa. É tarde, Nosferatu é completamente desintegrado pelos raios mortíferos de seu principal inimigo em frente a janela, numa das cenas mais emocionantes do cinema (somente os verdadeiros fãs entendem!).
Entre no filme, se envolva, extraía toda a essência filosófica sem deixar nada tirar sua emoção em frente do vampiro-mor, do mestre, daquele que, verdadeiramente, entende o sentido da vida... (ou da morte?).

N.E.: Em 1979 foi filmada uma outra versão chamada "Nosferatu, The Vampyre" (Alemanha / França), com direção, produção e roteiro de Werner Herzog, e estrelado por Klaus Kinski como o vampiro, e Isabelle Adjani como a sua vítima. Durante a década de 20 foram filmados alguns filmes mudos que, ao lado de "Nosferatu", entraram para a história do cinema fantástico. "O Gabinete do Dr. Caligari", "Fausto", "O Corcunda de Notre Dame", "O Fantasma da Ópera" e "Metrópolis" são obras primas que merecem ser revistas sempre.

Nota: Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine "Juvenatrix" # 23 (1998)

NOSFERATU
(Nosferatu - eine symphonie des grauens , Alemanha, 1922, mudo, preto e Branco, 72 minutos).
Direção: F. W. Murnau
Roteiro: Henrik Galeen, baseado no romance "Dracula", de Bram Stoker (não-creditado)
Produção: Enrico Dieckmann; Albin Grau
Música: Hans Erdmann
Fotografia: Fritz Arno Wagner e Gunther Krampf
Direção de Arte: Albin Grau
Figurino: Albin Grau
Elenco: : Max Schreck (Conde Orlok), Alexander Granach, Greta Schroder-Matray, Gustav von Waggenheim, G. H. Schnell, Ruth Landshoff. Lançado em vídeo no Brasil pela Continental.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

O CORVO

Edgar Allan Poe

Tradução de Fernando Pessoa (1924)

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro

E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo:
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,

"Senhor", eu disse, "ou senhora, de certo me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo
Tão levemente, batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais,
Isto só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Meu coração se distraia pesquisando estes sinais.
É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um Corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nenhum momento,
Mas com ar sereno e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho Corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o Corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".

Mas o Corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento,
Perdido murmurei lento. "Amigos, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais."
Disse o Corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,

"Por certo", disse eu, "são estas suas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entorno da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o Corvo, "nunca mais".


"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta! -
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, e esta noite e este segredo
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!"
Disse o Corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta! -
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida, se no Éden de outra vida,
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o Corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo", eu disse. "Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o Corvo, "Nunca mais".

E o Corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda,
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais.
E a minh'alma dessa sombra que no chão há de mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!

sábado, 30 de dezembro de 2006

Inferno




















Illustration 34 of Divine Comedy:Inferno by Paul Gustave Doré (1832-1883)

Source: http://dore.artpassions.net/

Purgatório

























Illustration 34 of Divine Comedy:Purgatório by Paul Gustave Doré (1832-1883)

Paradiso
























Dante and Beatrice gaze upon the highest Heaven (The Empyrean); from Gustave Doré's illustrations to the Divine Comedy, Paradiso Canto 31.

Artista: Gustave Doré (1832-1883)

sexta-feira, 30 de junho de 2006

Divagações entre física e metafísica

Existem questionamentos amorosos entre a física e a metafísica? O que é amar? O que é sentir dor?


Todo existencialista divaga sobre a realidade da vida e a transmutação da realidade humana. Todos os sentimentos e sentidos são pífios ardores de uma vida frustrada onde não conseguimos controlá-los; não conseguimos viver.

A realidade humana é tão subjetiva e vazia que precisamos criar fatos e emoções constantemente para não morrermos. A guerra das falácias é mais real que a própria “vida”, pois, como não nos conhecemos perfeitamente em nossa matriz, precisamos de um sonho perfeito para continuar.

Vivos?

Ando me perguntando sobre o que é real – sobre signos e silogismos para tentar acreditar que realmente existo.

O mundo não é mais mundo, não como em sua égide; hoje “vivemos” como máquinas – vazias e sem sentimentos. Não estamos mais preparados para sentir, para viver. A sociedade vive um torpor maciço e gosta disso – é mais fácil viver assim – é menos doloroso – é menos vil. Você deve estar se questionando sobre esse argumento, mas vos digo: - Hoje tudo é nivelado por baixo, até a inércia e inanição foi banalizada pela sociedade. Nada mais tem sentido! Nada mais faz sentido!

Barqueiro Solitário

terça-feira, 6 de junho de 2006

Um conto para Caronte

Um conto dedicado à memória de Edgar Allan Poe

Ao meu redor tudo eram névoas. Um espesso nevoeiro onde não se podia enxergar nem um palmo diante do nariz, como todos dizem. Uma nuvem condensada com um odor totalmente repugnante, um cheiro que lembrava, com fidelidade, a sangue coagulado, na mais completa podridão, de causar náuseas a qualquer olfato humano.
Percebi que estava em cima de uma rocha, levemente arredondada, que, segundo meus cálculos, media um metro quadrado aproximadamente, de forma que eu deveria me mexer com todo o cuidado e precisão, pois não sabia se estava cercado por um rio ou à beira de um precipício. A névoa (de uma forma que eu nunca tinha visto antes) me impedia de observar o que quer que fosse e tudo ao meu redor era silêncio. O frio era quase que insuportável e aquele cheiro podre estava me causando tortuosas vertigens.
Pude permanecer imóvel por uns quinze minutos, pois minhas pernas já não aguentavam aquela posição incômoda e cansativa. Por fim - numa decisão quase que imediata - resolvi esticar minha perna esquerda para baixo, a fim de verificar se poderia encontrar o solo ou algo que pudesse me orientar de como e onde estava. Senti como se a mergulhasse em algo líquido. Era, de fato, um líquido, embora pegajoso e gelado, mais parecia água de um pântano. Mediante aquele toque inesperado, levantei a perna tão bruscamente, tão rapidamente que quase perdi o equilíbrio. Meu coração gelou e senti como se fosse meu último momento na Terra (se é que eu estava na Terra). Mas com todo o esforço de meu reflexo consegui voltar à posição segura. Procedi, a partir deste instante, com extrema cautela, pois a rocha, embora aparentando solidez, era muito traiçoeira e escorregadia, talvez devido a uma pequena, mas extremamente significativa, cobertura de limo. Minha sorte é que o reflexo humano está adaptado de forma surpreendente à segurança e ao instinto de sobrevivência, não havendo, desta forma, qualquer erro, desde que tivermos por perto algo no qual possamos nos apoiar. Bendito seja este reflexo!
Voltei a me apoiar na rocha naquela antiga posição. Até agora não tinha entendido como fui parar naquela situação horrenda, minha razão era, de alguma forma, impedida de raciocinar. O vento com seu cheiro pútrido me banhava a face despejando seu hálito de morte e angústia. A água - permita-me chamar de água aquele líquido maldito com cor de sangue e cheiro de podridão - estava começando a bater levemente sobre a minha rocha, como se algo a estivesse deslocando. Com isso houve em meu semblante uma expressão de esperança, pois parecia que alguém estava vindo em meu socorro.
- "Bendito seja! Sim, alguém está vindo em meu auxílio". Esta foi minha expressão de felicidade naquele momento. Podia ouvir o avançar dos remos sobre a água e a cada instante ficava mais nítido. Porém, não podia enxergá-lo, como já disse, aquela bruma cinzenta era de uma densidade fora de qualquer tentativa de explicação.
Já estava mortalmente exausto de permanecer naquela posição e num estímulo do desespero comecei a gritar freneticamente com todas as forças de meu pulmão, numa forma tão desesperada e ameaçadora que até o próprio Satã me socorreria. O barulho dos remos se insinuavam cada vez mais perto; que bela melodia era aquele barulho tão insignificante! Nada na vida havia me causado tanta felicidade quanto aquele ruído de madeira empurrando a água. Nunca me imaginara naquela situação.
Minha garganta estava seca, não tinha mais fôlego para continuar com meus gritos. Estava exausto, mortalmente exausto, tudo que podia fazer era esperar. Por fim, a ponta do barco tocou na rocha em que eu estava. Era um comprido barco de madeira, uma madeira negra e de aspecto podre, parecia não aguentar um quilo, mas pude notar futuramente que sua estrutura era incomparável. Havia na embarcação apenas um homem, o qual não pude distinguir a face, devido ao nevoeiro, mas dava para observar seu vulto, como se fosse uma silhueta do século XVIII.
Antes de qualquer outro movimento, o sinistro vulto me indicou, com o braço direito, algo que não pude entender. Demorei para decifrar o que ele queria mostrar-me; ele não fazia uso da fala! Por fim, depois de passados alguns minutos, pude entender: ele me apontava uma moeda que, durante todo esse tempo, estava debaixo de minhas pernas, e só agora é que pude descobrir. Como que por um instinto, peguei a tal moeda e joguei em sua direção. Agora, por fim, ele apontava-me o canto do barco no qual eu deveria me acomodar. Isto eu fiz com toda a felicidade do mundo, embora achando tudo muito estranho.
A imagem daquele barqueiro era embaçada e turva, não pude, em momento algum, observar-lhe a face, somente um vulto esguio e cadavericamente sinistro. Depois de alguns segundos, "meu guia" começou a remar, imaginei que estava a salvo, mas sabia que era cedo para fúteis esperanças. Em momento algum consegui compreender como havia me enroscado naquela frustrante situação. Tudo era sem sentido e demasiado irreal para que eu pudesse achar alguma explicação, tão pouco para achar a razão de tudo aquilo. Em vista das circunstâncias, tudo o que eu queria era poder decifrar todo aquele enigma inexplicável.
Talvez este seja outro reflexo ou sentido da natureza humana: primeiro salvar a pele, por mais absurda ou inexplicável que a situação possa parecer; e depois ordenar uma via de raciocínio lógico e profundo para compreender tudo o quanto lhe havia realmente acontecido. Este é um fato que acontece com todos os seres humanos em vista do perigo, quer ele perceba ou não.
E era isto o que havia acontecido comigo, só depois de passado o momento de medo e incerteza é que pude refletir um pouco. Porém era inútil esta reflexão, era necessário deixar os fatos acontecerem. O barqueiro remava com uma lentidão quase que insuportável (não fosse aquela situação), o barco parecia não sair do lugar. De todo aquele ambiente subia um cheiro de cadáver. Não sei o que realmente aconteceu, mas nos primeiros instantes não tinha coragem e nem forças para fazer qualquer tipo de pergunta. Talvez tenha sido pelo fato de não acreditar em tudo aquilo ou imaginar tudo como um sonho ou delírio, como acontece nos sonhos, onde tudo corre naturalmente sem interrupção e/ou explicação.
Ao pé do barqueiro, mais ao lado, havia uma enorme pilha de moedas de ouro; deduzi isto pelo fato de as moedas reluzirem douradas ao reflexo da névoa. Não entendi (como tudo, aliás...) porque haviam tantas moedas no assoalho do barco, assim como aquela que eu tinha jogado aos pés do barqueiro para que ele me levasse daquele lugar. Aquilo só poderia ser um pagamento. Portanto, cheguei à óbvia conclusão: eu não era o único a passar por aquela estranha situação. Mas por que tudo isso? Tudo parecia irreal. Há momentos na vida de uma pessoa em que não existem argumentos ou explicações que possam satisfazer as necessidades da mesma, principalmente quando esses momentos se dão em circunstâncias como as minhas. Aquilo realmente era irreal? Será que a missão daquele barqueiro era exatamente a de me buscar no rochedo? Como ele sabia que eu estava naquele lugar e naquele momento?
O mínimo que eu posso dizer é que aquilo tudo não tinha sentido algum.
Passado o momento de torpor, é natural da consciência humana raciocinar os fatos que lhe haviam ocorrido, mesmo sabendo da inutilidade de tais raciocínios, porém é necessário, e diria até obrigatório, levar a uma conclusão estes fatos. Geralmente são eles que resolvem a maioria dos problemas, desde que estes problemas tenham uma válvula de escape, o que não era o meu caso. Eu não tinha outra saída senão proceder de forma como tudo ocorria.
O silêncio ao nosso redor era mortal, podendo-se apenas escutar o ruído que o barco fazia ao ranger suas negras madeiras. Também haviam alguns estranhos barulhos no fundo da embarcação, como se ela estivesse passando por cima de pequenas pedras arredondadas.
Depois de passados vários minutos, resolvi, com muita coragem e decisão, perguntar algo ao barqueiro, que apenas me conduzia em silêncio, não sei para onde e menos ainda porquê:
- "Por gentileza senhor, aonde estamos?"
Não obtive resposta. Tentei novamente:
- "Senhor, seria de muita bondade de vossa parte dizer-me para onde está nos levando?"
Com toda educação e gentileza (apesar das circunstâncias) havia lhe feito duas simples perguntas das quais não obtive nenhuma resposta.
O barqueiro continuava a remar, com toda a sua tranquilidade e lentidão. Percebi que qualquer indagação de minha parte seria inútil. Mantive-me daí em diante em completo silêncio, apenas observando aquele estranho vulto que me conduzia para o infinito, talvez. O medo e o mal pressentimento já estavam dominando-me por completo, mas não havia outra alternativa a não ser esperar e ver o término dos acontecimentos. Torcia para ter um término tudo aquilo. Já havia me acostumado com aquele odor sufocante, pois já não tinha mais aquelas vertigens nauseantes. Estávamos navegando a uns quarenta minutos aproximadamente e a impaciência também já tinha me dominado. Olhava desesperadamente de um lado para o outro - em vão - nada podia ser visto a não ser aquele nevoeiro com seu tom cinzento escuro e seu leve odor de enxofre. A umidade da neblina junto àquele vento brando e cortante causava-me um frio insuportável o qual eu era obrigado a suportar.
O remador, pelo que pude observar, não se incomodava nem um pouco com essas intempéries, pois nada alterava seu jeito de conduzir aquela tétrica embarcação. Porém ele estava envolvido com o negromanto que lhe cobria toda a cabeça e se estendia grotescamente até seus pés. Nada lhe podia tirar a concentração. Imagino que se um elefante tombasse ao nosso lado ele nem levantaria a cabeça para observar. Estava completamente embriagado de concentração.
Meu único passatempo era estudar as características daquele taciturno barqueiro, embora não pudesse observá-lo de perto, pois não tinha ânimo e nem vontade de me mover. Pelo que parecia ele era um homem idoso e já muito enfraquecido pelo tempo, embora não se ouvia dele um único suspiro de cansaço, muito menos um gemido e não parava para descansar um instante sequer. Estava separado dele por uma distância aproximada de três metros, pois aquele barco era relativamente comprido apesar de muito estreito. Imagine o leitor que a esta distância eu poderia observá-lo completamente, isto se não fosse o fato de haver aquele nevoeiro intenso.
Movido, ainda, pela curiosidade, comecei a observar em torno do barco na parte baixa, onde se estendia todo aquele oceano de podridão que parecia não ter fim. Inclinei-me o mais que pude para verificar a composição daquela água fétida que exalava seus vapores nauseabundos. Oh! Tremo ao colocar estas palavras. O horror que senti naquele instante é indescritível.
Não pude deixar de colocar estas palavras ao sentimento que me referi pois naquela água morta boiavam centenas de ossos e crânios humanos. A cada instante algo de mais estranho e bizarro aparecia, desde moedas inúteis e intactas até crânios que pareciam estarem vivos e gemerem como um animal ferido sobre um líquido vetusto, que mais parecia sangue coagulado. Tal era o horror daquele ambiente.
Era devido àqueles ossos que frequentemente eu escutava batidas no casco da embarcação. A partir desse momento eu deixei de alimentar esperanças em relação a minha sorte e aquele barqueiro, completamente indiferente, estava longe de ser um consolo para mim. Estávamos navegando para o infinito, com certeza. Naquele lugar e naquele ambiente percebi que estava submetido à pior das torturas.
Deitei-me numa posição cômoda (pelo menos pude fantasiar esta falsa idéia) com a esperança de acordar daquele horrível pesadelo. No fundo, restava esta minha última esperança, destinada somente, sem nenhuma outra função, a amenizar meus sofrimentos, o mínimo de tremor que tirasse de mim seria muito, pois me encontrava em tal estado de espírito que ainda não conseguia entender como não havia enlouquecido (se é realidade que eu estivesse são).
No entanto, consegui o impossível; peguei no sono, isto devido ao grande cansaço mental em que havia penetrado. Só lembro que acordei com uma voz metálica e rouca que parecia ser de uma pessoa em extrema velhice e que parecia mais um lamento desarticulado do que propriamente uma fala. Porém, era incontestavelmente audível. Levantei a cabeça em sobressalto. Por um instante imaginei ter acordado do mais profundo e horrível pesadelo, mas ao abrir os olhos vi que estava, ainda, naquela bruma infernal. A grotesca voz dizia:
"Chegaste a teu destino ó pobre alma. Eis que minha missão está novamente cumprida. Estás agora nas mãos impiedosas do poderoso Hades".
Terminado seu monólogo o barqueiro apontou uma distante ilha que mais parecia um pântano selvagem e desabitado. A névoa começava a dispersar-se. Perguntei-lhe que lugar era aquele e para que ele tinha me conduzido até lá. Em primeiro lugar ele respondeu que aquela era a terra imperial do terrível Hades e depois, levantando a cabeça, me respondeu a segunda pergunta em seu característico timbre vocal:
"Trouxe sua pobre alma até aqui, meu jovem, porque este é meu destino. Eu, Caronte, o barqueiro do inferno, estou preso à eterna tarefa de navegar sobre o Estige, o rio de sangue, para levar as almas pecadoras para as garras de Cérbero, o porteiro das trevas, para que ele castigue-o dolorosamente em nome do poderoso Hades, e queimarás no fogo do Tártaro até que teus pecados tenham se dispersado..."
Oh! Me lembro ainda do impacto que tais palavras me causaram. Arrepio-me também ao lembrar daquele barqueiro. Sua face era a de uma caveira de cujos olhos crepitavam chamas. Asquerosos vermes ainda se mantinham pendurados às suas escassas mechas de cabelo e por detrás daquele negromanto esfarrapado nada mais se movimentava do que um sinistro e marmóreo esqueleto já completamente descarnado.
Foi difícil acreditar no que estava vendo e pior ainda acreditar que eu consegui me manter consciente e dono absoluto de minhas funções apesar de ver e escutar coisas que estariam muito além da compreensão de qualquer um. Teria eu, sido guiado através do Estige por um esqueleto chamado Caronte?! Oh! O que seria de minha alma sobre as trevas?! Ao pisar em terra não existia em mim outro sentimento a não ser o medo. O velho Caronte, com seu fúnebre destino, voltava agora ao Estige, deixando para trás eu e meus temores. Era certo que ele estaria indo de encontro a outra alma, que, como a minha, estava condenada ao martírio e a desesperança.
Em passos lentos fui caminhando ao desconhecido, ao meu lado só se viam árvores fantasmagóricas de cujos galhos, contorcidos e úmidos, negros espinhos saltavam-me à vista. Os vapores do pântano tornavam o ambiente o mais tétrico possível de forma que a cada passo que eu avançava uma dor se apossava dos meus pés, pois o chão estava molhado e envolto numa espécie de névoa rasteira, que subia em forma de vapor até a altura de meus joelhos.
Ruídos e lamentos estranhos chegavam-me aos ouvidos num tom de sofrimento e angústia que me causava arrepios mortais. Ao olhar para trás me via rodeado por um imenso precipício que avançava em minha direção proporcionalmente à velocidade de meus passos, de modo que eu teria de continuar meus passos para frente sem parar jamais. Ao atravessar um bosque de árvores secas e espinhosas, que pareciam estarem vivas, pude observar ao longe, sob um enorme rochedo, um imenso cão cujo pescoço ostentava um colar de serpentes que dilaceravam completamente as faces dos pecadores. Era Cérbero, o irmão de Quimera, o tão famoso cão que guardava a entrada do inferno, para não fugirem jamais os que ali se encontravam. Seria aquele o destino de minha alma?
Quando o guardião se voltou para mim com seus olhos em chamas, não pude deixar de desfalecer. Acordei finalmente daquela letargia horrenda em minha ardente cama.
Demorei a entender e a voltar a mim, mas por fim compreendi que o que tive nada mais foi do que "um sonho dentro de outro sonho". (Nota do autor: esta frase é de autoria de Edgar Allan Poe).

Escrito por: E.R.Corrêa

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segunda-feira, 30 de janeiro de 2006